Nestes anos de jornalismo, não foram poucas as notas tristes que tivemos que escrever sobre perdas. É sempre um tema delicado, doloroso e que requer sensibilidade e tato. Mas confesso que nunca me preparei para ter que escrever sobre a morte de um dos nossos — sobretudo, o idealizador, fundador, sócio majoritário, administrador, programador e até web designer da Phouse.

De maneira revoltante, Luckas Wagg nos deixou cedo demais. E com sua vida e morte, o homem natural de Mutuípe nos mostrou o paradoxo do ser-humano: tão poderoso, capaz de realizações incríveis, e ao mesmo tempo tão frágil, capaz de se esvair em um estalar de dedos. Desaparecer para sempre.

Depois da minha esposa, o Luckas foi a pessoa mais diariamente presente na minha vida nesses últimos cinco anos. Ao mesmo tempo, lamento demais o fato de termos nos encontrado pessoalmente tão poucas vezes. Quando fui contratado como redator freelancer, em 2015, ele morava em Florianópolis; eu, em Porto Alegre. Em 2018, mudou para São Paulo, e nunca escondeu que me queria aqui, para trabalharmos todos juntos.

Quando finalmente vim, já como editor, no comecinho de 2019, ele precisou voltar à terra natal — e depois, Santa Catarina novamente. Sem contar as incontáveis viagens a festivais, conferências e aventuras em quase todos os cantos do mundo. No dia da sua morte, fiquei sabendo que ele estava retornando a SP. Enfim, trabalharíamos juntos, pessoalmente. Não foi. Não será.

Assim, nossa relação sempre foi à distância. É ainda difícil de digerir que aquelas mensagens quase diárias com sugestões de pauta, ordens de trabalho e ideias empolgadas pelo brilho da madrugada, aquela sequência de cinco áudios de 30 segundos cada, nunca mais vão chegar ao meu telefone. Ficará um vazio enorme, em que eu, os colaboradores e os sócios precisaremos ainda de um tempo para aprender a lidar.

Há certa poesia no modo que nossos caminhos se cruzaram. Cada um vindo de uma ponta do Brasil, ambos DJs que procuravam algo mais e acabaram descobrindo suas verdadeiras vocações nos bastidores do mercado — mas com personalidades opostas. Yin e Yang. Eu, metódico, neurótico, perfeccionista, rígido, minucioso, reservado; ele, ativo, enérgico, caótico, impulsivo, intenso, extrovertido. O jovem que saiu de uma pequena cidade do interior da Bahia para ganhar o mundo. O homem que provavelmente viajou mais nesses 28 anos do que eu viajarei em toda minha vida.

Os confrontos eram inevitáveis. As tretas não foram raras. Mas sabíamos separar as coisas. E essencialmente gostávamos um do outro. Aprendi com ele a ser um pouco mais flexível, e acho que consegui convencê-lo de que, além do conteúdo, a forma também é fundamental. Crescemos juntos, e grande parte do que a Phouse tem sido desde maio de 2017 — quando assumi a editoria — é resultado dessa sobreposição de personalidades.

Sou grato por tê-lo conhecido e por ele ter criado há sete anos, do nada, na caruda, quase que por acidente, o que viria a se tornar o maior portal de música eletrônica do Brasil. O site em que tenho a honra e o orgulho de trabalhar, em uma posição de tanto prestígio. Boa parte da minha trajetória como profissional, portanto, deve-se e está vinculada ao que Luckas Wagg produziu.

E assim como sua vida impactou tantas pessoas, sua morte nos desafia a mudar e refletir. E a essencialmente nos olharmos no espelho e termos que nos confrontar com a vulnerabilidade das nossas vidas. Ao menos, tenho certeza que ele aproveitou demais a dele. E nos deixou um enorme legado.

Obrigado por tudo, cara. Fica em paz.

* Flávio Lerner é editor da Phouse.

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