* Com a colaboração de Luckas Wagg

Recentemente, um evento peculiar chamou a atenção de parte da cena eletrônica brasileira. Com a proposta de ser um festival enorme em uma fazenda a 40 quilômetros de Goiânia, o University Ville foi anunciado para os dias 07, 08, 09 e 10 de maio, com 14 atrações até o momento: Lost Frequencies, Steve Aoki, Dannic, CMC$, Henri PFR, TV Noise, Crystal Skies, DBN, Sophie Francis, Chris Schweizer, Heatbeat, Signum e Lange.

E isso seria só o começo; mais de 80 DJs, incluindo diversos outros dos principais nomes da EDM mundial, estariam presentes, divididos em sete palcos. Cerca de 60 mil pessoas são aguardadas. O soundsystem anunciado é o K1, da conceituadíssima francesa L-Acoustics. Os ingressos, a partir de R$ 150,00, já estão à venda pela Bilheteria Digital há algumas semanas. Mas basta um olhar minimamente rigoroso para se ficar com um pé atrás sobre a sua realização.

Há um mês, a Phouse foi procurada pelo idealizador do evento, que se apresentou como Graciliano Shinoda. Shinoda propôs uma parceria de mídia, que chegou a ser apalavrada. Com o passar dos dias, porém, acendemos o sinal amarelo. O evento apresentava muitos sinais inconsistentes.

Flyer original, com a primeira fase, foi removido das redes sociais, e só pode ser encontrado atualmente pelo site da Bilheteria Digital. Imagem: Reprodução

Afinal, tratava-se de uma mega produção, caríssima, com mais atrações de peso do que as edições que tivemos do Ultra e do Tomorrowland no país — que pararam de ser realizadas, sobretudo, pela alta do dólar. Não havia nenhuma grande agência por trás. Nenhum patrocínio. Nenhum DJ brasileiro no lineup. A data estava muito em cima. O flyer, em ordem alfabética, dificilmente seria aprovado pelos big names, que exigiriam maior destaque.

O evento anterior anunciado por Graciliano — um mega festival eclético com Diplo como atração — fora cancelado. A comunicação e promoção do University Ville era nitidamente amadora. E algumas informações repassadas a nós pelo idealizador eram confusas, contraditórias ou não batiam com a realidade.

Apuramos com grandes nomes do mercado se eles tinham alguma referência sobre o evento ou sobre o seu realizador. Ou não o conheciam, ou nos afirmaram que provavelmente se tratava de cilada. Com base nisso, avisamos que estávamos fora, por falta de confiança. Shinoda, porém, já vinha usando o nome da Phouse como parceiro, indevidamente.

Por outro lado, descobrimos que havia, de fato, um contrato com Steve Aoki, o que nos deu o benefício da dúvida. Circulava ainda um suposto print de Lost Frequencies respondendo a uma mensagem direta no Twitter, confirmando presença.

University Ville
Novas atrações acrescentadas nesta semana. Imagem: Screenshot

Até que nessa última terça-feira, o manager do astro americano, Matt Colon, retomando o contato de Luckas Wagg, informou que Aoki não está confirmado para o festival, e pediu para que alertássemos nossos leitores. O DJ não recebeu nem um centavo até hoje, condição protocolar para se poder anunciar um artista desse calibre. “Eles não têm respondido aos nossos e-mails”, disse o empresário. “Suspeitamos que o evento seja fake”. Já a equipe de management de Dannic disse apenas que está ainda aguardando a assinatura do contrato. Os outros artistas anunciados pelo evento e suas respectivas equipes não retornaram nosso contato até este momento.

A LAN Produções, empresa goiana que vem sendo creditada como produtora do evento, é na verdade uma prestadora de serviços que trabalha com iluminação, e já participou de festivais como Planeta Brasil e Villa Mix. À reportagem, o dono da LAN, Uerique Costa, afirmou que foi contatado por Graciliano para fazer a luz do festival, salientando que não é responsável pela produção.

Costa disse que chegou a fazer uma análise de campo na fazenda, mas que estava apenas apalavrado com o University Ville, sem ter assinado qualquer contrato, muito menos recebido qualquer valor. O empresário também se mostrou surpreso ao saber que a LAN vinha sendo divulgada como produtora do evento, e a partir disso, solicitou a Graciliano a correção da informação — que foi feita na bio do Instagram, mas não nas artes previamente publicadas.

Com Cristiano Martins, da trêspontos — empresa que vem sendo creditada como realizadora do festival —, o discurso foi semelhante. Disse que também é apenas um prestador de serviços, que apalavrou o serviço de produção, mas que até hoje não recebeu os 20% de entrada combinados.

Cristiano também não gostou de saber que vinha sendo creditado como realizador — “a realização é toda do Shinoda. Eu apenas forneceria o serviço da minha equipe” —, e nos confidenciou que já vinha desconfiando da seriedade do evento. Ao final do contato, admitiu que encerrará sua participação. Até a publicação desta reportagem, o nome de sua empresa [que na verdade está nascendo agora] segue creditado indevidamente no Instagram.

Pra deixar tudo ainda mais estranho, a página oficial do Facebook foi deletada, restando apenas o evento na rede social, com apenas 18 pessoas confirmadas; já o Insta do festival, onde a comunicação está concentrada, apagou o post com o flyer da primeira fase, e mais recentemente, sugeriu que anunciaria Boris Brejcha em breve. Posteriormente, esclareceu que se tratava de um mal-entendido, conforme os prints abaixo:

University Ville
Foto: Screenshot
University Ville
Imagem: Screenshot

Graciliano Shinoda também não nutre de boa fama entre os produtores de evento em sua região. Seu caminho já se cruzou com o de Raul Mendes, produtor do Federal Music. E as referências deste sobre aquele não são nada positivas.

“Pelo que parece, ele é uma pessoa que não tem a mínima noção do business. Anuncia coisas sem ter fechado. Quando consegue fechar, não paga. Ele faz tudo errado”, disse Raul.

“Comigo, ele fechou uma parceria em que basicamente ele me perguntava muita coisa. Eu falava como fazer, ele não fazia. Falava de contratos com ticketeiras, mas nunca recebia. De amigos do Facebook que tinham esquemas pra patrocinar sem pagar. Dava pra ver que era furada. A gente inclusive chegou a anunciar as coisas aqui. Mas obviamente ele não pagou e cancelou o evento”, complementou Mendes.

Outro que não teve boas experiências com Graciliano é Salomão Augusto, produtor artístico e de logística de grupos de música eletrônica em Goiânia. “Quando tive o primeiro contato com ele eu senti um ar muito promissor vindo de alguém tão jovem. Com o tempo, fui vendo que era inexperiência mesmo. Disse que havia executado projetos para três a quatro mil pessoas no circuito universitário, e que agora queria investir no meio da música eletrônica, mais especificamente no psytrance“, contou.

“Ele me chamou pra curadoria e parceria em um evento que estava produzindo, mas com processos totalmente infundados. Não quis respeitar valores e prazos de entrada em agências. Eu mais indicava ou mostrava caminhos e contatos pra ele do que tinha uma troca em si, saca?”, seguiu Salomão.

“Daí eu fui abrindo os olhos com a ajuda de outros parceiros e acabei pulando fora, sem maiores prejuízos. Mas foram momentos de muita tensão, porque o cara é bem megalomaníaco e não tem absolutamente nenhuma base ou know how pra fazer um rolê pra cem pessoas, quem dirá um de planilha de quase cem mil, que era o que ele estava planejando na época. Sempre muito nebuloso e confuso”, concluiu.

A versão de Graciliano Shinoda

Em contato com a reportagem, o idealizador do University Ville admitiu que a comunicação do festival está bagunçada, mas afirmou ter fechado “assessoria de imprensa, RP, gestão de mídias e outras coisas que isso vai ser gerido [sic] quando o Carnaval acabar”. Segundo ele, seu objetivo com o evento é “fazer uma coisa legal pra cena eletrônica, algo que nem os grandes produtores fizeram”. Graciliano ainda reconheceu ter se expressado mal quando creditou a LAN como produtora do evento.

“Sobre o post do Boris Brejcha, vários festivais faz isso [sic], postando foto de DJs na linha de tempo e várias coisas, em momento nenhum coloquei confirmado [sic], tanto é que ele e a esposa dele veio falar comigo privado [sic] e inclusive ele ta [sic] se propondo a falar com o manager dele pra tocar no evento depois da repercusão [sic] de várias pessoas terem ido perguntar se ele tava no evento confirmado ou não [sic]”, seguiu Shinoda, em mensagens por WhatsApp.

O goiano ainda contradisse os depoimentos de Cristiano Martins e Matt Colon e afirmou não ter pago ninguém até o momento porque está esperando receber o dinheiro de um patrocinador, não revelado — que, segundo ele, entrará depois do Carnaval. Confira o restante do depoimento, na íntegra e sem correção ortográfica:

A Lan é prestador de serviço, a TrêsPontos é do cristiano que te falei, e ele pegou gestão do evento, não, ele não foi pago mas ele me autorizou a por eles como realização do evento.

Eu respondo o manager do Steve todo dia, nenhuma atração foi paga, quem me liberou pra postar, eu postei. Quem não liberou eu não postei.

Nenhuma atração foi paga porque quem vai patrocinar o evento, só consegue me pagar a verba depois do carnaval porque todos tão focando nesses eventos.

Tu pode postar, dizer que não é confiável pelas informações que você pegou, tranquilo, o site é seu a página é sua, depois do carnaval você tem as provas e na sua boa vontade, você reposta, ou não.

Designer sim me enrolou, mas eu troquei e todo o marketing vai ser refeito e começar depois do carnaval, algo totalmente novo e com pessoas responsáveis, RP, assessoria, marketing digital.

Se o público quiser esperar até março, blz, se quiserem parar de seguir sem problemas também

Eu tenho dois meses pra movimentar e fazer algo totalmente novo para passar confiança no público, inclusive postagem por eles tanto em site oficial, quanto nas páginas.

Esta é minha resposta

Procurada pela Phouse, a Bilheteria Digital não respondeu até o momento da publicação. Esta matéria será atualizada em caso de novidades.

* Flávio Lerner é editor da Phouse.


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