O desfecho do caso de Mariana Ferrer nesta semana foi revoltante para quem pedia por justiça para a influencer, em um caso que mobilizou as redes sociais. No entanto, o desenrolar do julgamento foi igualmente polêmico. O jornal “ND+”, de Santa Catarina, teve acesso às alegações finais do Ministério Público, que foram cruciais para a sentença em favor do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprar a blogueira.

Como já sabemos, na última quarta-feira (09), o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) voltou atrás e declarou improcedente a denúncia contra o empresário por “falta de provas”. Vale lembrar, no entanto, que os exames realizados por autoridades comprovaram que houve conjunção carnal – ou seja, uma introdução completa ou incompleta do pênis na vagina da vítima. Além disso, sêmen do homem de 43 anos foi encontrado na calcinha da influencer, e a ruptura do hímen da vítima, que era virgem, foi comprovada.

Para piorar, Mariana foi constantemente humilhada durante todo o processo que determinou a inocência de André Aranha. Inicialmente, quando deu seu primeiro depoimento sobre o caso, o empresário negou que tivesse tido contato físico com Mariana. No interrogatório em juízo, no entanto, ele mudou sua versão.

André de Camargo disse que, no depoimento dado à polícia, “foi instruído pelo então advogado a não contar o que aconteceu” para evitar ser preso. Já na audiência de instrução e julgamento, ele afirmou ter tido contato físico com a jovem e narrou atos libidinosos. O empresário, porém, continuou negando que tivesse tido conjunção carnal com a jovem. O réu ainda acusou a vítima de incriminá-lo por motivações “financeiras”.

No entanto, Ferrer nunca apontou o nome do acusado ao longo do processo. A identidade dele, na verdade, foi identificada pela Polícia Civil, em inquérito comandado pela delegada Caroline Monavique Pedreira. A delegada chegou ao suspeito por meio dos depoimentos e das imagens feitas na festa. Ele mesmo se colocou à disposição da polícia poucos dias após o fato e chegou a se apresentar espontaneamente para prestar depoimento.

Apesar de Aranha ter se negado a conceder material genético para comprovação na ocasião, Caroline Monavique colheu, durante o interrogatório em Florianópolis, as impressões digitais e a saliva do homem de um copo no qual ele bebeu água. O laudo que comparou o material genético dele com os vestígios colhidos na roupa íntima de Mariana indicou que se tratava da mesma pessoa.

Copo utilizado na identificação do material genético de André Aranha (Foto: Reprodução/ND)

Audiência e julgamento

Segundo as informações obtidas pelo “ND+”, a audiência de instrução e julgamento ocorreu em julho deste ano. Por conta da pandemia, a sessão foi realizada por videoconferência, na qual estavam presentes a vítima, Mariana, que também foi ouvida na condição de testemunha de acusação, o advogado do acusado, Cláudio Gastão da Rosa Filho, o defensor público (cujo nome não foi identificado pela reportagem) e o juiz Rudson Marcos.

Foi nesta ocasião em que Mariana precisou ouvir os mais diversos tipos de absurdos do advogado do réu. Além de fazer perguntas na audiência, Cláudio Gastão ainda apresentou algumas fotos publicadas por Mariana nas redes sociais anteriormente à data do crime, como referência ao seus trabalhos de modelo.

Neste momento, o advogado narrou que, em uma delas, ela estaria “com o dedinho na boquinha”. Ele também julgou que as posições seriam “ginecológicas”, como se fossem qualquer justificativa para o ato. Em seguida, ele ainda questionou, sem qualquer tato: “Por que você apaga essas fotos e deixa só a carinha de choro como se fosse uma santa? Só falta uma auréola na cabeça”. Ele ainda acrescentou, sem ser interrompido pelo juiz, que ela era “mentirosa, mentirosa”.

Ao responder, abalada, Mariana apontou: “Muito bonita [a foto] por sinal o senhor disse né, cometendo assédio moral contra mim, o senhor tem idade pra ser meu pai, o senhor tem que se ater aos fatos”. No entanto, o advogado piorou as acusações infundadas. “Graças a Deus eu não tenho uma filha do teu nível, graças a Deus, e também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher feito você”, disparou.

Audiência de instrução e julgamento (Foto: Reprodução/ND)

Ferrer ainda questionou uma das fotos usadas pela defesa. De acordo com ela, a imagem teria sido alterada, retirando o biquíni que ela estava usando para dar a entender que ela estaria fazendo topless. O advogado negou a adulteração e ainda debochou: “Tudo isso é uma conspiração, Mariana, para lhe prejudicar?”.

A jovem afirmou se “tratar de uma organização criminosa” em que todos os envolvidos “são criminosos” e, então, passou a chorar, sendo novamente interrompida. “Por que não apresenta as provas que você diz que tem, Mariana? Cadê o vestido? Chorar não é explicação, não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, e essa lábia de crocodilo”, disparou Gastão.

De acordo com o “ND+”, esse foi um dos poucos momentos em que o juiz Rudson Marcos interrompeu a fala do advogado e avisou a Mariana que ela poderia se recompor e tomar um copo com água. Ele também sinalizou que a transmissão poderia ser encerrada caso ela não se sentisse bem para continuar. No entanto, a jovem logo se recompôs e pediu para ser respeitada.

“Eu estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados assim, pelo amor de Deus, gente! Nem os acusados de assassinato são tratados como estou sendo tratada, nunca cometi crime contra ninguém”, desabafou, em meio ao choro. Ela continuou no interrogatório até o final.

Mariana Ferrer denunciou seu caso pela primeira vez em 2019, quando expôs seu doloroso relato. (Foto: Reprodução/Instagram/Twitter)

Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério Público informou que o promotor Thiago Carriço de Oliveira se manifestou ao fim da segunda audiência (cujas imagens a reportagem não teve acesso) em relação aos excessos do advogado Cláudio Gastão. Em comunicado ao jornal, a defesa ressaltou “que o papel do advogado é ser intransigente na defesa dos interesses de seu cliente”.

“Gastão Filho informa que, em sendo um processo que correu em segredo de Justiça, não irá comentar sobre trechos das referidas audiências, que da forma abordada pelas perguntas, estão fora do contexto. Reforça ainda que todo posicionamento adotado foi para elucidar os fatos e mostrar a verdade perante a falsa acusação de ter sido drogada e de estupro levantada por Mariana”, disse também o advogado.

Estupro de vulnerável

Em julho de 2019, o Ministério Público de Santa Catarina seguiu o mesmo entendimento da polícia civil no inquérito e defendeu que Mariana não tinha discernimento para consentir a relação sexual – que teria ocorrido em uma área privada de uma festa, em 15 de dezembro de 2018, no beach club Café de La Musique, em Jurerê Internacional, em Florianópolis.

André Camargo de Aranha, então, foi acusado pelo crime de estupro de vulnerável, que prevê situações de “conjunção carnal” ou “prática de outro ato libidinoso” com menor de 14 anos ou “com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

André de Camargo Aranha foi indiciado por “estupro de vulnerável” em 2019, no caso de Mariana Ferrer. (Foto: Reprodução/Instagram/Twitter)

Em sua versão, a jovem aponta que teria sido dopada e, por isso, não se lembrava do que havia acontecido e, consequentemente, não poderia ter consentido com a relação. Áudios gravados por ela no celular naquele momento também foram juntados ao inquérito policial. Neles, ela pedia, com a voz embaraçada, ajuda a pelo menos três amigos.

Naquela noite, pouco após o estupro, Mariana voltou para casa de Uber. O motorista relatou à polícia que ela parecia estar “sob o efeito de algum entorpecente”. No entanto, a defesa descaracterizou a vítima, afirmando que ela conseguiu se deslocar do Café de la Musique para outro beach club após o crime.

Outro ponto citado nas alegações finais foi o exame toxicológico feito por ela, cujo resultado foi negativo para entorpecentes e bebidas. Pessoas que trabalhavam no Café e foram ouvidas na condição de testemunhas também relataram que não perceberam diferença no comportamento dela.

Na época do inquérito da Polícia Civil, no entanto, a delegada Caroline não se contentou com o primeiro laudo pericial, pois ele veio sem descrição, e solicitou mais detalhes ao Instituto Geral de Perícias. O órgão, então, esclareceu que pode haver substâncias ainda não apreendidas e reconhecidas pela polícia, o que dificulta a pesquisa de todas elas. Além disso, o exame só foi submetido para análise quatro meses após o colhimento do material.

“Uma das testemunhas disse que o próprio investigado teria afirmado, em relação à vítima, que ‘ela era louca e tava muito bêbada’. Extrai-se que ele ainda que possivelmente no intuito de descredibilizar a vítima, indicou elementos que sinalizam o estado de vulnerabilidade da vítima”, afirmou a delegada no relato final do inquérito.

Imagens da câmera de segurança que mostram Mariana sendo conduzida ao local do crime por André (Foto: Reprodução/ND)

Conclusão

O fato da jovem estar ou não dopada foi um dos pontos principais analisado pelo juiz. Quando a denúncia foi para o Ministério Público em julho de 2019, o caso estava sob responsabilidade do promotor de Justiça Alexandre Piazza, que havia aceitado o inquérito da polícia em sua integralidade. No entanto, quem conduziu a audiência de instrução e julgamento, e apresentou as alegações finais, foi o promotor Thiago Carriço de Oliveira.

Segundo o Ministério Público, Piazza fez a opção voluntária de sair da promotoria onde atuava para assumir outra promotoria. E, então, diferente do que ele havia concluído, o novo promotor apontou que não teria havido “dolo” na ação de Aranha, ou seja, a “intenção de estuprar”. Para Carriço, não teria sido possível comprovar tecnicamente que a vítima estava sob efeito de drogas e que, por isso, não teria o discernimento para evitar o ato sexual.

“Não há qualquer indicação nos autos acerca do dolo – em seu aspecto de consciência acerca da elementar de vulnerabilidade – não se afigurando razoável presumir que soubesse ou que deveria saber que a vítima não desejava a relação”, sustentou o segundo promotor. Dentro desse contexto, ele defendeu o fator “culposo” na hipótese da ocorrência de “erro do tipo criminal”.

Para embasar sua tese, ele citou como exemplo o fato de que “menores de 14 anos podem aparentar a terceiros já ter atingido a referida idade [maior de 14 anos]”. Nesse caso, estupro de vulnerável pela condição da idade seria descartado, caso o autor não tivesse “conhecimento sobre a verdadeira idade da vítima”.

Análise jurídica do caso pelo MPSC (Foto: Reprodução/ND)

Carriço, então, pediu a absolvição do réu, que foi concedida pelo juiz Rudson Marcos em sentença assinada no último dia 9 de setembro. “Diante da ausência de elementos probatórios capazes de estabelecer o juízo de certeza, mormente no tocante à ausência de discernimento para a prática do ato ou da impossibilidade de oferecer resistência, indispensáveis para sustentar uma condenação, decido a favor do acusado André de Camargo Aranha”, finalizou o juiz.

Os assistentes de acusação de Mariana pretendem recorrer da decisão às instâncias superiores.

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